segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Qualidades do Professor


Se há uma criatura que tenha necessidade de formar e manter constantemente firme uma personalidade segura e complexa, essa é o professor.

Destinado a pôr-se em contato com a infância e a adolescência, nas suas mais várias e incoerentes modalidades, tendo de compreender as inquietações da criança e do jovem, para bem os orientar e satisfazer sua vida, deve ser também um contínuo aperfeiçoamento, uma concentração permanente de energias que sirvam de base e assegurem a sua possibilidade, variando sobre si mesmo, chegar a apreender cada fenômeno circunstante, conciliando todos os desacordos aparentes, todas as variações humanas nessa visão total indispensável aos educadores.

É, certamente, uma grande obra chegar a consolidar-se numa personalidade assim. Ser ao mesmo tempo um resultado — como todos somos — da época, do meio, da família, com características próprias, enérgicas, pessoais, e poder ser o que é cada aluno, descer à sua alma, feita de mil complexidades, também, para se poder pôr em contato com ela, e estimular-lhe o poder vital e a capacidade de evolução.

E ter o coração para se emocionar diante de cada temperamento.

E ter imaginação para sugerir.

E ter conhecimentos para enriquecer os caminhos transitados.

E saber ir e vir em redor desse mistério que existe em cada criatura, fornecendo-lhe cores luminosas para se definir, vibratilidades ardentes para se manifestar, força profunda para se erguer até o máximo, sem vacilações nem perigos. Saber ser poeta para inspirar. Quando a mocidade procura um rumo para a sua vida, leva consigo, no mais íntimo do peito, um exemplo guardado, que lhe serve de ideal.

Quantas vezes, entre esse ideal e o professor, se abrem enormes precipícios, de onde se originam os mais tristes desenganos e as dúvidas mais dolorosas!

Como seria admirável se o professor pudesse ser tão perfeito que constituísse, ele mesmo, o exemplo amado de seus alunos!

E, depois de ter vivido diante dos seus olhos, dirigindo uma classe, pudesse morar para sempre na sua vida, orientando-a e fortalecendo-a com a inesgotável fecundidade da sua recordação.

Texto de Cecília Meireles, extraído do livro Crônicas de Educação 3

terça-feira, 7 de setembro de 2010

INTERVENÇÃO DO SERVIÇO DE ORIENTAÇÃO EDUCACIONAL

Campanha com os Pais:
Campanha com os alunos:

NADA DE BULLYING! RESPEITO É BOM E EU GOSTO. Seminário com os alunos do 7º Ano A

Campanha anti-bullying do CMSP

Gincana Estudantil

A forma escolar de tortura



Eu fui vítima dele. Por causa dele odiei a escola. Nas minhas caminhadas passadas eu o via diariamente. Naquela adolescente gorda de rosto inexpressivo que caminhava olhando para o chão. E naquela outra, magricela, sem seios, desengonçada, que ia sozinha para a escola. Havia grupos de meninos e meninas que iam alegremente, tagarelando, se exibindo, pelo mesmo caminho... Mas eles não convidavam nem a gorda e nem a magricela. Dediquei-me a escrever sobre os sofrimentos a que as crianças e adolescentes são submetidos em virtude dos absurdos das práticas escolares. Mas nunca pensei sobre os sofrimentos que colegas infligem a colegas seus. Talvez eu preferisse ficar na ilusão de que todas as crianças e todos os adolescentes são vítimas. Não são. Crianças e adolescentes podem ser cruéis.
“Bullying” é o nome dele. Fica o nome inglês porque não se encontrou palavra em nossa língua que seja capaz de dizer o que “bullying” diz. “Bully” é o valentão: um menino que, em virtude de sua força e de sua alma deformada pelo sadismo tem prazer em intimidar e bater nos mais fracos. Vez por outra as crianças e adolescentes brigam em virtude de desentendimentos. São brigas que têm uma razão. Acidentes. Acontecem e pronto. Não é possível fazer uma sociologia dessas brigas. Depois da briga os briguentos podem fazer as pazes e se tornarem amigos de novo. Isso nada têm a ver com o “bullying”. No “bullying” um indivíduo, o valentão, ou um grupo de indivíduos, escolhe a sua vítima que vai ser o seu “saco de pancadas”. A razão? Nenhuma. Sadismo. Eles “não vão com a cara” da vítima. É preciso que a vítima seja fraca, que não saiba se defender. Se ela fosse forte e soubesse se defender a brincadeira não teria graça. A vítima é uma peteca: cada um bate e ela vai de um lado para outro sem reagir. Do “bulling” pode-se fazer uma sociologia porque envolve muitas pessoas e tem continuidade no tempo. A cada novo dia, ao se preparar para a escola, a vítima sabe o que a aguarda. Até agora tenho usado o artigo masculino – mas o “bullying” não é monopólio dos meninos. As meninas usam outros tipos de força que não a força dos punhos. E o terrível é que a vítima sabe que não há jeito de fugir. Ela não conta aos pais, por vergonha e medo. Não conta aos professores porque sabe que isso só poderá tornar a violência dos colegas mais violenta ainda. Ela está condenada à solidão. E ao medo acrescenta-se o ódio. A vítima sonha com vingança. Deseja que seus algozes morram. Vez por outra ela toma providências para ver seu sonho realizado. As armas podem torná-la forte.
Freqüentemente, entretanto, o “bullying” não se manifesta por meio de agressão física mas por meio de agressão verbal e atitudes. Isolamento, caçoada, apelidos.
Aprendemos dos animais. Um ratinho preso numa gaiola aprende logo. Uma alavanca lhe dá comida. Outra alavanca produz choques. Depois de dois choques o ratinho não mais tocará a alavanca que produz choques. Mas tocará a alavanca da comida sempre que tiver fome. As experiências de dor produzem afastamento. O ratinho continuará a não tocar a alavanca que produz choque ainda que os psicólogos que fazem o experimento tenham desligado o choque e tenham ligado a alavanca à comida. Experiências de dor bloqueiam o desejo de explorar. O fato é que o mundo do ratinho ficou ordenado. Ele sabe o que fazer. Imaginem agora que uns psicólogos sádicos resolvam submeter o ratinho a uma experiência de horror: ele levará choques em lugares e momentos imprevistos ainda que não toque nada. O ratinho está perdido. Ele não tem formas de organizar o seu mundo. Não há nada que ele possa fazer. Os seus desejos, eu imagino, seriam dois. Primeiro: destruir a gaiola, se pudesse, e fugir. Isso não sendo possível, ele optaria pelo suicídio.
Edimar era um jovem tímido de 18 anos que vivia na cidade de Taiúva, no estado de São Paulo. Seus colegas fizeram-no motivo de chacota porque ele era muito gordo. Puseram-lhe os apelidos de “gordo”, “mongolóide”, “elefante-cor-de-rosa” e “vinagrão”, por tomar vinagre de maçã todos os dias, no seu esforço para emagrecer. No dia 27 de janeiro de 2003 ele entrou na escola armado e atirou contra seis alunos, uma professora e o zelador, matando-se a seguir.
Luis Antônio, garoto de 11 anos. Mudando-se de Natal para Recife por causa do seu sotaque passou a ser objeto da violência de colegas. Batiam-lhe, empurravam-no, davam-lhe murros e chutes. Na manhã do dia fatídico, antes do início das aulas, apanhou de alguns meninos que o ameaçaram com a “hora da saída”. Por volta das dez e meia, saiu correndo da escola e nunca mais foi visto. Um corpo com características semelhantes ao dele, em estado de putrefação, foi conduzido ao IML para perícia.
Achei que seria próprio falar sobre o “bullying” na seqüência do meu artigo sobre o tato que se iniciou com esta afirmação: O tato é o sentido que marca, no corpo, a divisa entre Eros e Tânatos. É através do tato que o amor se realiza. É no lugar do tato que a tortura acontece. “Bullying” é a forma escolar da tortura.

Por: Rubem Alves